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quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Quem precisa de TRT?


Mas o que é a TRT? Bem, a testosterona é um importante esteroide andrógeno produzido naturalmente pelo organismo. Assim, a terapia de reposição de testosterona é aplicada naqueles homens, que por alguma razão, apresentam níveis hormonais abaixo do normal na circulação sanguínea. E não só Vitor Belfort, mas vários atletas de elite têm passado pelo tratamento, como Chael Sonnen Alistair Overeem. A grande questão é se a TRT pode fazer com haja alguma espécie de vantagem para esses lutadores no MMA, configurando doping.
Em um texto esclarecedor, o doutor em fisiologia pela Johns Hopkins University e narrador de MMA –– Bellator –– Luiz Prota explica que primeiramente é necessário entender que a testosterona é produzida principalmente pelos testículos e sua função é múltipla, promovendo desde a indução do crescimento e desenvolvimento músculo-esquelético, como força e virilidade, até o impacto em componentes psicológicos, como a agressividade. “Cada indivíduo produz quantidades variadas desse hormônio e sua concentração oscila de acordo com fatores genéticos, idade, peso, quantidade de gordura corporal, estresse mental e físico, e também com o momento do dia”, diz ele.
Segundo Prota, a diminuição da produção de testosterona tende a se intensificar com o avanço da idade, o que explica que os pedidos de TRT englobem atletas com mais de 36 anos. Porém, do mesmo modo, pessoas mais novas acometidas de hipogonadismo ou que utilizaram esteroides anabolizantes em algum momento da vida, também podem sofrer de incapacidade na produção do hormônio ao longo da vida.
“No entanto, para outras modalidades esportivas essa abordagem é considerada doping, de acordo com a agência mundial antidoping (WADA). Lembremos do caso da nadadora brasiliense Rebeca Gusmão, banida do esporte após ser pega no exame para a substância. Mesmo assim, nos Estados Unidos, se um atleta de MMA tem prescrição médica e autorização de uma comissão atlética para TRT, ele está liberado, desde que haja um controle dos níveis da testosterona dentro do normal no dia do exame”.
Para as comissões atléticas dos Estados Unidos, estar “dentro do normal” significa que a proporção de testosterona deve ser em torno de 1/4, sendo tolerável até 1/6. Contudo, há histórico de alguns atletas que conseguiram estourar esses limites. Foi o caso de Chael Sonnen, suspenso por seis meses após perder a primeira luta contra Anderson Silva, e Alistair Overeem, suspenso por nove meses antes da luta contra Junior Cigano. Overeem e Sonnen chegaram a níveis próximos a 1/16, o que justifica suas punições por doping.
Prota diz que para se evitar que atletas usem o TRT em níveis extremos durante o período de treinamento, e reduzam a dosagem, próximo a luta para não serem pegos no exame antidoping, seria necessária a realização de testes semanais para esse controle, evitando ganhos físicos desproporcionais que grandes quantidades de testosterona podem induzir no organismo durante o período em que os atletas são “turbinados”.

Chael Sonnen (esquerda) e Alistair Overeem (centro) são lutadores já punidos pelo uso excessivo do tratamento; Dan Henderson também já utilizou da prática, embora nunca tenha sido punido
Mas a grande questão é que, embora mostre ganhos para quem o utiliza, o tratamento é liberado. A alegação dos médicos que requisitam o TRT para seus atletas consiste no fato de que seus organismos não produzem quantidades fisiológicas de testosterona. Assim, solicitam a terapia para sustentar a produção com o objetivo de manter os lutadores no mais alto nível exigido atualmente pelo esporte.
Essa polêmica, embora tenha vindo à tona com a alta do MMA, é antiga e remonta a muitos casos dentro do esporte. O da nadadora Rebeca Gusmão –– condenada por doping em 2007 e banida do esporte em 2009 ––, citado por Prota é apenas um de muitos, embora tenha recebido uma das punições mais severas. Rebeca teve quatro de suas medalhas cassadas, sendo duas de ouro conquistadas por ela nos Jogos Pan-americanos do Rio de Janeiro em 2007.
O filósofo estadunidense Michael J. Sandel, que é uma espécie de pop star na Universidade Harvard, trata do assunto em seu livro “Contra a perfeição: a ética na era da engenharia genética”, lançado no Brasil recentemente. Sandel compôs o Conselho de Bioética dos Estados Unidos em 2001, época em que o órgão foi criado pelo então presidente George W. Bush, e, desde então, tem se interessado por discutir o tema.
O autor dedica um capítulo inteiro de seu livro para tratar do que chama de atletas biônicos. O cerne da discussão proposta por Sandel está na admiração, ou não, da sociedade em relação às conquistas de atletas submetidos a melhoramentos corporais, seja por meio de engenharia genética ou outros tratamentos, como o TRT. Para ele, esses fatores podem ameaçar um dos aspectos da humanidade, que é a capacidade de agir livremente graças aos próprios esforços e de se considerar responsável por aquilo que se faz. Isto é, a vitória conquistada pelo mérito.
E esse fato tem um papel central quando o assunto é esporte. Afinal, o objetivo primeiro de qualquer atleta é vencer as competições em que participa. Para Sandel, à medida que o grau do melhoramento aumentar, a admiração que a sociedade tem pelas conquistas, sobretudo as esportivas, diminuirá. “Ou, melhor: nossa admiração pelas conquistas será transferida do jogador para seu farmacêutico.”
Superoperação
Ele aponta que as terapias de melhoramento representam uma espécie de superoperação, uma aspiração prometeica de remodelar a natureza, incluindo a natureza humana, para servir a propósitos pessoais, além de satisfazer os próprios desejos. “O problema não é o desvio para o mecanismo, e sim o impulso à maestria, ao domínio. E o que esse impulso à maestria desconsidera, e pode até mesmo destruir, é a valorização do caráter de dádiva que existe nas potências e conquistas humanas”, discute.
Dessa forma, os talentos naturais –– e a admiração que eles inspiram –– agem de forma a constranger a fé meritocrática e lançam dúvidas sobre a convicção de que as recompensas e os elogios fluem unicamente do esforço. “Podemos observar essa distorção, por exemplo, na cobertura televisiva das Olimpíadas, que se concentra menos nos feitos dos atletas e mais nas histórias comoventes das dificuldades que eles superaram, dos obstáculos que ultrapassaram e da luta que travaram para triunfar sobre uma lesão, ou uma infância difícil, ou os tumultos políticos de seu país de origem.”

Michael J. Sandel: “Honra significa recompensar as habilidades dos melhores”
Isto é, Sandel relata que “honrar a integridade de um esporte significa mais do que jogar conforme as regras ou fazer com que elas sejam cumpridas. Significa fazer as regras de um modo que honrem as excelências cruciais para aquele esporte e recompensem as habilidades dos melhores jogadores.”
É claro que o filósofo não se referiu diretamente a um caso específico de melhoramento corporal –– o único caso citado por Sandel foi o da maratonista Rosie Ruiz, que foi a primeira mulher a vencer a Maratona de Boston em 1980, mas descobriu-se depois que ela havia percorrido parte do trajeto de metrô ––, muito menos ao de Vitor Belfort. Nem esta matéria foi concebida para criticar aquilo que não sabe, até porque os níveis de testosterona no corpo do lutador brasileiro serão medidos pelos órgãos responsáveis e podem, ou não, estar acima do permitido.
Porém, a grande questão trata da distinção de tratamentos que são necessários àqueles que precisam deles das formas de melhoramento corporal, que podem inclusive prejudicar quem os utiliza de maneira indevida.


“Reposição de testosterona é um tratamento para quem precisa dele”


Até o momento tratou-se do aspecto esportivo da reposição hormonal. O urologista Theobaldo Silva Costa diz que se o tratamento for realizado sem a necessidade real, graves consequências podem acometer quem as utiliza: “Esses indivíduos fazem isso para superar seus adversários. Isto é, com outros objetivos. É um ganho muscular artificial e, eventualmente, até danoso para a saúde do atleta. É condenável. Há consequências sobre o fígado, a circulação sanguínea e até sobre o cérebro. O motivo é que a pessoa passa a ter várias partes de seu organismo superestimuladas sem necessidade alguma. E isso prejudica o todo. O mesmo é visto naqueles pacientes que utilizam a reposição com fins puramente estéticos. Não é recomendável”, diz ele.
Porém, é necessário pontuar que o tratamento de reposição hormonal masculina não é realizado apenas por atletas, necessitem eles ou não. E é nesse ponto que o urologista se atém ao receber o repórter e o fotógrafo do Jornal Opção em seu consultório no Hospital do Rim, em Goiânia. Cercado por modelos corporais e quadros representado o corpo do homem, Costa se recosta em sua alta cadeira de couro preto e vai direto ao ponto ao explicar as funções do tratamento:
–– A reposição hormonal masculina é feita em homens que apresentam algum sintoma de falta da testosterona.


Geralmente, são homens acima dos 40 anos, pois à medida que a idade aumenta, também sobe a probabilidade de o hormônio ser necessário. Pelo menos 50% dos homens com mais de 70 anos, por exemplo, precisam realizar o tratamento. Mas há outros fatores que determinam se o homem deve ou não fazer a reposição. É necessário que hajam sintomas relacionados à falta do hormônio, além de não haver contraindicações.



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