Mas o que é a TRT? Bem, a
testosterona é um importante esteroide andrógeno produzido naturalmente pelo
organismo. Assim, a terapia de reposição de testosterona é aplicada naqueles
homens, que por alguma razão, apresentam níveis hormonais abaixo do normal na
circulação sanguínea. E não só Vitor Belfort, mas vários atletas de elite têm
passado pelo tratamento, como Chael Sonnen Alistair Overeem. A grande questão é
se a TRT pode fazer com haja alguma espécie de vantagem para esses lutadores no
MMA, configurando doping.
Em um texto esclarecedor, o
doutor em fisiologia pela Johns Hopkins University e narrador de MMA ––
Bellator –– Luiz Prota explica que primeiramente é necessário entender que a
testosterona é produzida principalmente pelos testículos e sua função é múltipla,
promovendo desde a indução do crescimento e desenvolvimento
músculo-esquelético, como força e virilidade, até o impacto em componentes
psicológicos, como a agressividade. “Cada indivíduo produz quantidades variadas
desse hormônio e sua concentração oscila de acordo com fatores genéticos,
idade, peso, quantidade de gordura corporal, estresse mental e físico, e também
com o momento do dia”, diz ele.
Segundo Prota, a diminuição da
produção de testosterona tende a se intensificar com o avanço da idade, o que
explica que os pedidos de TRT englobem atletas com mais de 36 anos. Porém, do
mesmo modo, pessoas mais novas acometidas de hipogonadismo ou que utilizaram
esteroides anabolizantes em algum momento da vida, também podem sofrer de
incapacidade na produção do hormônio ao longo da vida.
“No entanto, para outras
modalidades esportivas essa abordagem é considerada doping, de acordo com a
agência mundial antidoping (WADA). Lembremos do caso da nadadora brasiliense
Rebeca Gusmão, banida do esporte após ser pega no exame para a substância.
Mesmo assim, nos Estados Unidos, se um atleta de MMA tem prescrição médica e
autorização de uma comissão atlética para TRT, ele está liberado, desde que
haja um controle dos níveis da testosterona dentro do normal no dia do exame”.
Para as comissões atléticas dos
Estados Unidos, estar “dentro do normal” significa que a proporção de
testosterona deve ser em torno de 1/4, sendo tolerável até 1/6. Contudo, há
histórico de alguns atletas que conseguiram estourar esses limites. Foi o caso
de Chael Sonnen, suspenso por seis meses após perder a primeira luta contra
Anderson Silva, e Alistair Overeem, suspenso por nove meses antes da luta
contra Junior Cigano. Overeem e Sonnen chegaram a níveis próximos a 1/16, o que
justifica suas punições por doping.
Prota diz que para se evitar que
atletas usem o TRT em níveis extremos durante o período de treinamento, e
reduzam a dosagem, próximo a luta para não serem pegos no exame antidoping,
seria necessária a realização de testes semanais para esse controle, evitando
ganhos físicos desproporcionais que grandes quantidades de testosterona podem
induzir no organismo durante o período em que os atletas são “turbinados”.
Chael Sonnen (esquerda) e
Alistair Overeem (centro) são lutadores já punidos pelo uso excessivo do
tratamento; Dan Henderson também já utilizou da prática, embora nunca tenha
sido punido
Mas a grande questão é que,
embora mostre ganhos para quem o utiliza, o tratamento é liberado. A alegação
dos médicos que requisitam o TRT para seus atletas consiste no fato de que seus
organismos não produzem quantidades fisiológicas de testosterona. Assim,
solicitam a terapia para sustentar a produção com o objetivo de manter os
lutadores no mais alto nível exigido atualmente pelo esporte.
Essa polêmica, embora tenha vindo
à tona com a alta do MMA, é antiga e remonta a muitos casos dentro do esporte.
O da nadadora Rebeca Gusmão –– condenada por doping em 2007 e banida do esporte
em 2009 ––, citado por Prota é apenas um de muitos, embora tenha recebido uma
das punições mais severas. Rebeca teve quatro de suas medalhas cassadas, sendo
duas de ouro conquistadas por ela nos Jogos Pan-americanos do Rio de Janeiro em
2007.
O filósofo estadunidense Michael
J. Sandel, que é uma espécie de pop star na Universidade Harvard, trata do
assunto em seu livro “Contra a perfeição: a ética na era da engenharia
genética”, lançado no Brasil recentemente. Sandel compôs o Conselho de Bioética
dos Estados Unidos em 2001, época em que o órgão foi criado pelo então
presidente George W. Bush, e, desde então, tem se interessado por discutir o
tema.
O autor dedica um capítulo
inteiro de seu livro para tratar do que chama de atletas biônicos. O cerne da
discussão proposta por Sandel está na admiração, ou não, da sociedade em
relação às conquistas de atletas submetidos a melhoramentos corporais, seja por
meio de engenharia genética ou outros tratamentos, como o TRT. Para ele, esses
fatores podem ameaçar um dos aspectos da humanidade, que é a capacidade de agir
livremente graças aos próprios esforços e de se considerar responsável por
aquilo que se faz. Isto é, a vitória conquistada pelo mérito.
E esse fato tem um papel central
quando o assunto é esporte. Afinal, o objetivo primeiro de qualquer atleta é
vencer as competições em que participa. Para Sandel, à medida que o grau do
melhoramento aumentar, a admiração que a sociedade tem pelas conquistas,
sobretudo as esportivas, diminuirá. “Ou, melhor: nossa admiração pelas
conquistas será transferida do jogador para seu farmacêutico.”
Superoperação
Ele aponta que as terapias de
melhoramento representam uma espécie de superoperação, uma aspiração prometeica
de remodelar a natureza, incluindo a natureza humana, para servir a propósitos
pessoais, além de satisfazer os próprios desejos. “O problema não é o desvio
para o mecanismo, e sim o impulso à maestria, ao domínio. E o que esse impulso
à maestria desconsidera, e pode até mesmo destruir, é a valorização do caráter
de dádiva que existe nas potências e conquistas humanas”, discute.
Dessa forma, os talentos naturais
–– e a admiração que eles inspiram –– agem de forma a constranger a fé
meritocrática e lançam dúvidas sobre a convicção de que as recompensas e os
elogios fluem unicamente do esforço. “Podemos observar essa distorção, por
exemplo, na cobertura televisiva das Olimpíadas, que se concentra menos nos
feitos dos atletas e mais nas histórias comoventes das dificuldades que eles
superaram, dos obstáculos que ultrapassaram e da luta que travaram para
triunfar sobre uma lesão, ou uma infância difícil, ou os tumultos políticos de
seu país de origem.”
Michael J. Sandel: “Honra
significa recompensar as habilidades dos melhores”
Isto é, Sandel relata que “honrar
a integridade de um esporte significa mais do que jogar conforme as regras ou
fazer com que elas sejam cumpridas. Significa fazer as regras de um modo que
honrem as excelências cruciais para aquele esporte e recompensem as habilidades
dos melhores jogadores.”
É claro que o filósofo não se
referiu diretamente a um caso específico de melhoramento corporal –– o único
caso citado por Sandel foi o da maratonista Rosie Ruiz, que foi a primeira
mulher a vencer a Maratona de Boston em 1980, mas descobriu-se depois que ela
havia percorrido parte do trajeto de metrô ––, muito menos ao de Vitor Belfort.
Nem esta matéria foi concebida para criticar aquilo que não sabe, até porque os
níveis de testosterona no corpo do lutador brasileiro serão medidos pelos
órgãos responsáveis e podem, ou não, estar acima do permitido.
Porém, a grande questão trata da
distinção de tratamentos que são necessários àqueles que precisam deles das
formas de melhoramento corporal, que podem inclusive prejudicar quem os utiliza
de maneira indevida.
“Reposição de testosterona é um
tratamento para quem precisa dele”
Até o momento tratou-se do aspecto
esportivo da reposição hormonal. O urologista Theobaldo Silva Costa diz que se
o tratamento for realizado sem a necessidade real, graves consequências podem
acometer quem as utiliza: “Esses indivíduos fazem isso para superar seus
adversários. Isto é, com outros objetivos. É um ganho muscular artificial e,
eventualmente, até danoso para a saúde do atleta. É condenável. Há
consequências sobre o fígado, a circulação sanguínea e até sobre o cérebro. O
motivo é que a pessoa passa a ter várias partes de seu organismo
superestimuladas sem necessidade alguma. E isso prejudica o todo. O mesmo é
visto naqueles pacientes que utilizam a reposição com fins puramente estéticos.
Não é recomendável”, diz ele.
Porém, é necessário pontuar que o
tratamento de reposição hormonal masculina não é realizado apenas por atletas,
necessitem eles ou não. E é nesse ponto que o urologista se atém ao receber o
repórter e o fotógrafo do Jornal Opção em seu consultório no Hospital do Rim,
em Goiânia. Cercado por modelos corporais e quadros representado o corpo do
homem, Costa se recosta em sua alta cadeira de couro preto e vai direto ao
ponto ao explicar as funções do tratamento:
–– A reposição hormonal masculina
é feita em homens que apresentam algum sintoma de falta da testosterona.
Geralmente, são homens acima dos
40 anos, pois à medida que a idade aumenta, também sobe a probabilidade de o
hormônio ser necessário. Pelo menos 50% dos homens com mais de 70 anos, por
exemplo, precisam realizar o tratamento. Mas há outros fatores que determinam
se o homem deve ou não fazer a reposição. É necessário que hajam sintomas
relacionados à falta do hormônio, além de não haver contraindicações.
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