Devorador de livros, zagueiro caminha na contramão da maioria dos jogadores de futebol, vira titular absoluto e fica novamente próximo do título da Copa do Brasil.
Na cabeceira, livros. No som do carro e no telefone celular, canções melancólicas compostas por Marcelo Camelo e sucessos da banda britânica de rock Coldplay. O apreço pela leitura e o gosto musical são apenas alguns dos hábitos diferentes de Wallace. O zagueiro do Flamengo decidiu caminhar na contramão da maioria dos colegas de profissão para fugir de rótulos que sempre o incomodaram muito.
- Esse lance de rotularem de burro me incomoda de forma absurda – reclama.
De cinco meses para cá, além de devorar livros, Wallace começou a fazer jiu-jitsu. Se hoje é titular absoluto e ponto de equilíbrio do time rubro-negro, foi no tatame que decidiu gastar energia e buscar o próprio centro. Durante a má fase dele e do time, sofreu com a reserva e precisou extravasar.
- Não estava jogando, tinha de colocar a raiva para fora, aí comecei. Não dava para bater em quem eu queria (risos).
Wallace: “Como não sou muito bonito, adotei a barba para esconder” (Foto: André Durão / Globoesporte.com)
Hoje, prepara-se para a primeira decisão com a camisa do Flamengo. O time enfrenta o Atlético-PR nesta quarta-feira, em Curitiba, às 21h50m (de Brasília), pelo jogo de ida da final da Copa do Brasil. Wallace volta a ter a chance de conquistar o título nacional. Em 2010, pelo Vitória, clube que o revelou, foi vice-campeão contra o Santos. Depois, no Corinthians, ganhou tudo que disputou, inclusive Libertadores e Mundial, mas a reserva deixou uma ponta de frustração.
Em entrevista ao GLOBOESPORTE.COM às vésperas da partida, o zagueiro falou sobre as muitas críticas que recebeu na chegada ao Rubro-Negro, inclusive por ter virado símbolo da parceria do Flamengo com o empresário Carlos Leite. Na conversa, Wallace também justifica a virada dele e do time na reta final da temporada.
Vestido com uma camisa bem-humorada, Wallace dá ao corpo de Homer Simpson, personagem da sitcom de animação americana “Os Simpsons”, um rosto sério e barbudo, mas até mesmo o zagueirão carrancudo mostra que tem seu lado divertido.
- Como não sou muito bonito, adotei a barba para esconder . Sem barba sou feio demais (risos).
Confira a íntegra da entrevista:
GLOBOESPORTE.COM: você chegou para a entrevista com a biografia do Zidane para dar ao Gabriel. Disse que a ideia é ajudá-lo a ganhar confiança. Em um momento importante da temporada, distribuiu exemplares do livro “Nunca Deixe de Tentar”, de Michael Jordan, para seus companheiros. Em quantos livros buscou essa ajuda no momento de baixa no Corinthians e aqui no Flamengo?
Wallace: Nunca gostei de livros de autoajuda, li poucos. Um livro que me chamou muito a atenção, porque tem esse lance de dificuldades que a gente passa, foi o do Agassi (autobiografia do ex-tenista). É muito parecido o sentimento que ele tinha com o sentimento que eu tinha. De que isso não dá para mim, vou fazer outra coisa, pensei em parar de jogar futebol. E no Corinthians eu pensei muito nisso. Não que seja de autoajuda, mas a história dele dá para tirar coisas boas.
No Corinthians, foi campeão de praticamente tudo. Ganhou Libertadores e Mundial. Mas jogava pouco. Não era tão prazeroso viver aquilo na condição em que estava?
Foi muito bom para mim, mas nunca tive sequência de jogos. A maior foi de seis jogos. Cheguei do Vitória com a perspectiva de me firmar lá. Nos momentos que pensei que seria titular, não fui por um ou outro motivo. Não coloco culpa em ninguém. Um cara que aprendi a gostar foi o Tite, está entre os três melhores do país. Aprendi muito com ele. Só que tive que mudar a característica de jogo para me enquadrar. As duas vezes que seria titular eu fraturei o tornozelo, em 2011, e fiquei quatro meses parado. Quando retornei, quebrei o nariz. Lesões que acabaram me atrapalhando. E acho que também questão de não ter me ambientado com o clima, a cidade, as pessoas são diferentes.
Diferentes como?
Estou acostumado ao calor das pessoas, em Salvador. Eu sou reservado, mas ao mesmo tempo gosto de estar com muitas pessoas. Em Salvador sempre tive muitos amigos. Em São Paulo era eu, esposa (Géssica), filho (Lucas) e só. Fiz alguns amigos, mas poucos. Já aqui no Rio a primeira coisa que encontrei no Flamengo foi amigo. Paulo Victor, Hernane, Cleber Santana, Gabriel, João Paulo, o Val. Foram os caras que estiveram comigo num momento de dificuldade, deram palavra de apoio, conforto. A diferença do Corinthians para cá foi ter encontrado amigos. E a cidade também. O Rio é maravilhoso. Só não é melhor que Salvador e nem minha cidade, Conceição do Coité-BA (risos). As pessoas são receptivas, no Rio tem essa coisa mais tranquila, de amigos, andar pela rua. Acho que influenciou.
Esses caras que você citou são amigos fora do futebol?
Sim. Paulo Victor é meu amigão. Quando eu for casar na igreja, ele será um dos padrinhos. Hernane é outro. Cleber Santana (que não está mais no Flamengo) mesma coisa. João Paulo. Gabriel vive em casa almoçando. Os caras se tornaram amigos e quando for embora vamos manter contato. Essas amizades vão se prolongar para o resto da vida.
De reserva a titular contestado. Agora, titular absoluto e até capitão em alguns jogos. Foi tudo muito rápido?
Sem soberba ou hipocrisia, sabia que iria acontecer. Como estava há dois anos sem jogar, o torcedor e a imprensa querem o resultado momentâneo. Isso é normal. Futebol é muito dinâmico. Sabia que a partir do momento que tivesse sequência de sete, oito, nove jogos, voltaria a ganhar a confiança que tinha perdido. Fiquei praticamente dois anos sem jogar no Corinthians. Jogava um jogo, ficava dez jogos fora. Para ganhar confiança assim é muito difícil. E das vezes que joguei não comprometi. Em todos os momentos difíceis o Tite me colocava porque ele confiava muito em mim. Entrei na final do Mundial, entrei na final da Libertadores, nos dois jogos, então sabia que voltar a jogar bem, voltar a me tornar uma referência na equipe, seria questão de tempo. E minha mulher também me deu muito apoio. Nos momentos de dúvida talvez ela acreditasse mais em mim do que eu mesmo. E aqui no Flamengo, quando o Mano assumiu e me deu uma sequência de jogos, eu comecei a jogar bem. Tinha consciência de que não estava jogando bem, continuei trabalhando, e ele me deu liberdade para fazer o que eu fazia no Vitória. Quando o Jayme assumiu, foi questão de sequência. O lance de ser capitão, nunca tive vaidade. Isso você conquista com respeito do grupo, foi uma coisa natural. Tenho conquistado aos poucos.
No momento em que você chega, além da questão técnica, falou-se muito do fato de ter Carlos Leite como empresário. Virou o símbolo da “era Carlos Leite” no Flamengo. Se o jogador não rende, é mais um que veio pela relação do clube com o empresário. Como vê isso?
Como eu não leio notícias, sabia por terceiros algumas coisas. Sou muito grato ao Carlos, talvez tenha sido a pessoa que mais acreditou em mim. No período difícil no Corinthians, ele sempre disse para eu ficar tranquilo que no momento oportuno eu jogaria. E que quando tivesse sequência desempenharia meu futebol. Ele não me conhecia de agora, me conhecia desde 2009, que foi quando me viu no Vitória. Além de termos relação profissional, temos relacionamento pessoal muito grande, de confiança, nunca me pressionou. Já tive empresário que me pressionava para jogar, o que é normal. Foi um cara que me deu tranquilidade para que eu pudesse estar com a cabeça boa. Para, no momento de jogar, jogar tranquilo. Independentemente de ser do Carlos Leite, o Mano também é do Carlos, mas, quando assumiu, ele teve uma sequência e me tirou do time. Ele poderia não ter me tirado. Sabia que tinha de mostrar dentro de campo, e isso está acontecendo.
Nesse momento de decisão na Copa do Brasil, fala-se muito que aquela goleada para o Atlético-PR, por 4 a 2, pelo Brasileiro, que resultou na saída do Mano, foi o ponto da virada do Flamengo. O que mudou a partir daquilo? Foi um momento da transformação?
Pelo fato de ninguém esperar a saída do Mano, sim. Mas eu acho que o fato de termos entendido que no futebol tem que ter uma cumplicidade muito grande. Passamos a ser cúmplices. A partir daquele momento o desempenho cresceu, a equipe evoluiu dentro e fora de campo. Amadurecemos e entendemos nossas limitações. A partir desse momento, que sabíamos que teríamos de dar mais, os resultados viriam. Essa crescente foi por termos nos tornado um grupo cúmplice um do outro, de termos nos tornado mais amigos. Hoje a gente compra a briga um do outro. Isso eleva o nível de qualidade e comprometimento. Os resultados chegam naturalmente.
E o papel do Jayme nesse processo?
Importante. Deu confiança, liberdade. Tem sido importante para a gente também.
Nesta quarta-feira vocês começam a jogar a final contra o Atlético-PR. Você perdeu uma final pelo Vitória em 2010, depois ganhou títulos com o Corinthians, mas não jogando tanto. É diferente para você?
Confesso que no segundo jogo do Goiás estava ansioso, pois poderia jogar todo um trabalho fora. E na minha cabeça seria muito mais frustrante perder com 50 mil pessoas no estádio, tínhamos a confiança da torcida pelo bom resultado em Goiânia (vitória por 2 a 1). Perder no Rio seria frustrante. Um ano que não foi tão bom se tornaria pior. Não dormi umas duas noites. Agora, contra o Atlético-PR, estou bem tranquilo, temos visto a evolução da nossa equipe. Estou bem relaxado, tranquilo. Já perdi uma final contra o Santos e sei que esse jogo vai ser totalmente diferente daquela equipe que pegamos naquele ano (com Ganso, Neymar e Robinho), mas sabemos que a equipe do Atlético-PR é qualificada.
Já perguntou ao Léo Moura o que é conquistar títulos pelo Flamengo?
A gente ouve que é algo indescritível, só passando. Como foi no Corinthians também, não tem como descrever. Mas acho que além da história individual é o tri do clube. Todo os atletas estão empenhados para ganhar o título, é perceptível. Algumas vezes a gente tem falado que temos de criar DNA de campeão. Está aí a oportunidade. Jogadores jovens, nossa equipe é jovem. Cinco ou seis têm bagagem maior. Você conquistar um título nacional dá mais status, reconhecimento, respeito, futuramente mais valorização profissional. Vontade, dedicação e alma serão entregues.
Nesses dias em que o preço dos ingressos tem sido tão comentado, qual seria o valor da torcida nessa campanha?
Penso que a gente foi ganhando a confiança de acordo com os resultados. Nossa campanha foi aos trancos e barrancos, sempre questionada. No jogo do Cruzeiro, que o Elias fez o gol, acho que ali foi o momento certo que a torcida foi e empurrou. Da forma como foi o jogo, como foi o gol. Aquele jogo foi Flamengo. A partir dali, a torcida se tornou fundamental, era a nossa volta ao Maracanã. No jogo contra o Botafogo, no 1 a 1, fizemos uma boa partida. E no 4 a 0 e nos jogos contra o Goiás. A torcida tem sido importante, e a torcida do Flamengo é única. Só vivendo, só passando, para poder descrever.
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